entrevista sobre ia e varejo com marcel nobre

IA no Varejo: ou você aprende a usar ou corre o risco de desaparecer

A inteligência artificial já saiu do laboratório e entrou de vez na rotina das empresas. Mas será que o varejo e o trade marketing estão preparados para usá-la de forma estratégica e não apenas como modismo?

Nesta entrevista exclusiva ao Mercado Competitivo, o professor e especialista Marcel Nobre vai direto ao ponto: fala sobre maturidade digital, riscos de robotização, cultura de dados e como líderes comerciais podem e devem conduzir a transformação.

1 – Marcel, IA deixou de ser tendência para virar prática. Como você enxerga a maturidade do varejo brasileiro hoje em relação à adoção de inteligência artificial?

A IA já é uma realidade, e veremos 2 tipos de empresa num futuro próximo: as que usarão a IA e as que não existirão mais.

A questão agora é: o varejo brasileiro está jogando bem ou ainda está só assistindo da arquibancada?

A maioria está em fase de experimentação: testando ferramentas, focando em ganho de produtividade, criando POCs, automatizando algumas rotinas… ainda numa camada muito rasa.

Mas ainda falta visão sistêmica. Vemos muita IA sendo usada como a única solução para resolver problemas pontuais, sendo que em alguns casos não seria necessário o uso da tecnologia, mas o Hype acabou falando mais alto, e pouca gente olhando para ela como uma alavanca de transformação estrutural.

Quem sair da fase do modismo e entender que IA é sobre dados, processos e cultura, vai abrir vantagem.

2 – Quais setores do varejo você acredita que estão liderando essa transformação e por quê?

O varejo de moda e o supermercadista saíram na frente. Moda porque entendeu rápido que IA pode personalizar experiência em escala — da recomendação ao provador virtual.

Os supermercados, por outro lado, enxergaram a IA como aliada na previsão de demanda, gestão de estoque e precificação dinâmica.

E não podemos esquecer o e-commerce, que basicamente nasceu digital e está usando IA para tudo: atendimento, logística, funil de conversão. Mas ainda há muito espaço para inovação no varejo físico — especialmente no ponto de venda.

3 – O que muda, na prática, para equipes de campo, vendedores e promotores com a chegada da IA no dia a dia operacional?

Tudo muda — desde o “o que fazer” até o “como fazer melhor”. A IA só vem para substituir aqueles que agem como robôs, aos demais podem aumentar a inteligência da operação.

Promotores passam a contar com análises preditivas que indicam onde priorizar visitas e abastecimento. Vendedores usam assistentes que sugerem argumentos com base no perfil do cliente, mix ideal, e por aí vai.

Equipes de campo operam com dados em tempo real que antes só estavam disponíveis para o board. A IA é como um Waze: não dirige por você, mas diz onde estão os buracos e qual o melhor caminho.

4 – Quais são os principais ganhos que você tem visto em empresas que implementam IA de forma inteligente e integrada?

Os maiores ganhos aparecem quando a IA é colocada a serviço do negócio e das pessoas — e não o contrário.

Aumento de produtividade, redução de desperdício, melhora da experiência do cliente e decisões muito mais assertivas. Vi empresas reduzirem rupturas em 30% só com IA ajustando pedidos.

Vi marcas dobrarem a conversão em canais digitais com IA otimizando a jornada.

Mas o principal ganho talvez seja invisível: a cultura de decisões baseadas em dados em vez de achismos ou hierarquia.

5 – Existe um risco de “robotizar” demais o contato humano nas vendas? Como equilibrar automação com empatia e experiência?

Esse risco existe, e ele é real, se usarmos a IA para dar as respostas e não nos envolvermos, aí se tornará uma venda 100% transacional e 0% relacional.

Mas ele não vem da IA — vem de um mau uso da IA. Automação sem empatia é o novo “disque 1 para ouvir o menu novamente”. A IA deve cuidar do processo para que o humano possa cuidar da experiência.

Ou seja: tire do vendedor o peso de preencher planilhas e dê a ele tempo para ouvir o cliente, identificar dores e propor soluções.

A tecnologia que emociona é aquela que permite que o humano brilhe. O segredo está na integração — e não na substituição.

6 – No seu ponto de vista, como a IA está mudando a forma como os gestores comerciais tomam decisões?

O gestor que antes tomava decisões com base em feeling ou dados passados agora tem previsões em tempo real na palma da mão.

A IA oferece um “painel de avião” que mostra o que está acontecendo, o que vai acontecer, e o que você deveria fazer. Mas importante dizer que dados não substituem a intuição — eles a fortalecem.

O bom gestor de agora é quase um curador de decisões. Ele entende o contexto, questiona os dados e age com mais precisão e menos achismo.

7 – Quais tipos de dados o varejo ainda subutiliza, e que a IA poderia ajudar a transformar em vantagem competitiva?

O varejo ainda subutiliza absurdamente os dados de comportamento em loja física. Quanto tempo o cliente ficou em frente à gôndola? Qual caminho percorreu? Onde desistiu?

Tudo isso pode ser capturado por sensores, câmeras, apps e é transformado em insight com IA. Outro dado pouco explorado: feedbacks e interações humanas.

Existe um oceano de aprendizados escondidos nas conversas com clientes, e a IA consegue mergulhar nesse mar sem afundar. Quem souber fazer isso, nada de braçada.

8 – A adoção de IA exige uma mudança cultural. O que você recomenda para líderes que querem implementar tecnologia sem perder a equipe no processo?

Comece pelas pessoas, não pela tecnologia. Explique o “porquê” antes de apresentar o “como”. Traga a equipe para perto, envolva nos testes, ouça suas dores e mostre como a IA resolve problemas reais — não apenas economiza dinheiro.

É fundamental desenvolver e capacitar todas as pessoas, não apenas em ferramentas e processos, mas nas habilidades que elas precisarão desenvolver para que tenham um bom desempenho no uso da IA.

É uma cultura de aprendizagem contínua, com segurança psicológica para errar e espaço para experimentar. E, acima de tudo: celebre os avanços. Adotar IA não é só instalar software, é reprogramar o jeito de pensar o trabalho.

9 – Como lidar com o medo de substituição ou resistência dos times de vendas frente à IA?

Com diálogo, formação/letramento, visão de futuro e mantendo o ser humano no centro das decisões. Você jamais pode tirar da comissão do vendedor, por exemplo, a venda feita por IA, senão ele começa a jogar contra.

A resistência geralmente nasce do medo, e o medo nasce do desconhecido. Mostre como a IA pode tornar o trabalho mais interessante, menos repetitivo e mais estratégico.

Dê exemplos reais, traga o time para dentro da mudança e mostre que eles são parte da transformação. E principalmente: desenvolva habilidades humanas que IA não substitui — criatividade, empatia, pensamento crítico.

No fim das contas, ninguém é substituído por uma IA, mas por alguém que sabe usar uma IA melhor.

10 – Quais aplicações de IA você acredita que ainda vão explodir nos próximos 2 anos no varejo e no trade marketing?

Vejo três áreas com altíssimo potencial:

  1. IA Generativa no PDV, criando materiais personalizados em tempo real para campanhas locais.
  2. Assistentes de vendas com IA, que ajudam o vendedor a entender o cliente em tempo real e sugerem abordagens personalizadas.
  3. Modelos preditivos para trade, otimizando ações com base em dados históricos, sazonais e regionais.

Tudo que aumenta a personalização e eficiência ao mesmo tempo vai crescer muito rápido.

11 – Se você pudesse dar um conselho direto para um gestor comercial que está começando a explorar IA, qual seria?

Não comece pela ferramenta. Comece pelo problema. Pergunte: qual tarefa é repetitiva? Onde estamos perdendo tempo? Que decisão ainda tomamos no escuro?

A IA não é mágica, mas é poderosa — se usada com propósito. Cerque-se de pessoas que dominam dados, mas que também entendem de gente.

E lembre-se: o futuro não é humano ou digital. O futuro é humano com o digital. E quem liderar com essa mentalidade, vai muito além da próxima tecnologia.

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